Imparcialidade novamente

Ontem, pela primeira vez, tive oportunidade de ver na íntegra um debate mensal parlamentar com o governo. Pude por isso tirar as minhas próprias conclusões de como correu o debate, não me esquecendo que a minha condição de militante do PSD poder influenciar a minha apreciação. Mas, em geral, não tendo sido brilhante, não desgostei de Santana Lopes e quanto a oposição esteve como se esperava. Tal como, Bettencourt Resendes disse na SIC-N, penso que Santana Lopes venceu o debate em geral (embora tivesse deixado algumas perguntas por responder), até porque o formato do debate dá sempre vantagem ao governo, não houve KO de nenhum partido, enfim, podemos dizer, não correu muito mal.

Por outro lado, compreendo a dificuldade que este debate engulhos em alguns comentadores (p.ex. António José Teixeira) pois como Santana não se perdeu nos dossiers, como eles esperavam, tiveram que reconhecer que ele até não se saiu mal.

Mas, hoje leio o Destaque de hoje no Público da autoria de São José Almeida e parece-me que o debate que eu vi foi um outro debate. E porquê? Atente-se neste parágrafo:

Já José Sócrates soube usar os poucos minutos que este tipo de debate lhe dava - nos debates mensais a oposição só faz perguntas. A anos-luz das parcas capacidades parlamentares de Ferro Rodrigues, Sócrates, de forma clara e directa, levantou questões de regime, como da legitimidade política e as acusações de censura. Além de não se esquecer da situação económica e social e ainda do Orçamento do Estado, acusando mesmo o Governo de em matéria orçamental querer descobrir o "gelo-quente".

Começando por um nada inocente "já", o discurso de Sócrates é considerado quase brilhante. Ora, eu ouvi a dita intervenção e ela não me impressionou rigorosamente nada. A legitimidade política, tal como disse Resendes na SIC-N é um argumento que se esgota e não tem seguimento, para além de ser perfeitamente ridícula, pois se a solução é constitucional como é que Santana não tem legitimidade? Será uma questão moral, política? Bom, então porque se lembraram só agora, se Santana nem foi o primeiro que chegou a primeiro-ministro sem eleições depois de 1976 (se a memória não me engana, foi o terceiro, quarto se contarmos com Fernando Nogueira)? Esta questão é apenas um sound-byte. Quanto à censura, como Santana lembrou, o PS não está isento, como foi o caso de Arons querer afastar Cintra Torres. Por outro lado, Joaquim Furtado também tem queixas da intervenção do governo na RTP. Censura? Alguém impede Marcelo de falar? Deixem-me rir...

Depois de declarar que o PS se deixou encurralar em terrenos não favoráveis, diz-se que apesar disso Santana também não ganhou o debate em termos gerais. Porquê? Volta à intervenção de Sócrates:

Logo de início, o líder do PS entrou a matar com questões políticas de relevância e actualidade. Numa atitude previsível - e que o próprio Sócrates já fez saber que é para continuar - atacou Santana pela falta de legitimidade e de autoridade políticas que acha que o primeiro-ministro tem. Ou seja, atirou para cima da mesa com o facto de Santana ter sido indigitado primeiro-ministro sem se submeter a eleições legislativas depois de escolhido pelo conselho nacional do PSD, sem que o congresso reunisse. Enquanto ele Sócrates foi eleito em sufrágio directo dos militantes. Isto para além de atacar com veemência as eventuais interferências na liberdade de expressão com o caso Marcelo, classificando-o de "nódoa que o vai perseguir" e defendendo que Santana não resiste "às tentações de controlo da comunicação social".

O artigo parece uma pescadinha de rabo na boca, vira-o-disco-e-toca-o-mesmo. Tal como a argumentação do PS. Para além do facto de a legitimidade de José Sócrates ser apenas enquanto líder do PS. Nada mais. Santana pelos estatutos do partido também é um líder legítimo. É claro que é necessário um Congresso o mais rápido possível. Dizer que Santana não conseguiu responder à altura das acusações é uma autêntica falácia e que só consegue enganar quem não viu o debate. Se realmente no caso de Ferro, Santana se enganou, na primeira resposta usuo a ironia que fez Sócrates ficar com um riso amarelo. E esta questão da legitimidade faz-me rir. Legitimidade vem de "legítimo", que por sua vez tem o significado de "conforme à lei". A legitimidade de Santana Lopes é total porque conforme às leis da República. A moralidade e ética nada têm que ver com o assunto, pois senão cairíamos no reino da arbitrariedade.

Mas, quanto a este aspecto, da legitimidade, dizem que Santana não a tem porque não foi a votos, que os portugueses não votaram nele. Mas, se levarmos esta ideia ao extremo, então Barroso também não tinha um governo legítimo porque os portugueses não tinham votado num governo PSD-CDS/PP. Também em 1977 (penso eu), os portugueses tiveram um governo PS-CDS, mas o povo (nesta algura bem mais ideológico) não votou certamente, nas eleições legislativas em 1976, numa solução dessas. Seriam esses governos ilegítimos? A governabilidade de um país têm que assentar em leis que permitam estas alianças pós-eleitorais, senão passávamos a vida em eleições. E quem diz alianças, diz também sucessão no cargo de primeiro-ministro.

Noto ainda, e porque o caso de passa com o Público noto ainda a grande susceptibilidade de JMF a um post do Jaquinzinhos. É que como diz o JCD a notícia era mesmo ridícula. E, hoje, na capa do jornal, lá estava a "legitimidade" como a característica principal do debate. Não era preciso confirmar assim de que lado estão os jornalistas. E ainda há que queira defender a objectividade.

O mesmo JMF responde ainda ao Nuno Guerreiro a propósito do uso de ambulâncias da ONU pelos terroristas, negando ainda que haja enviesamento pró-palestiniano na cobertura noticiosa (apelidado de teoria da conspiração). Antes fosse... mas não o é em quase toda a Europa Ocidental e Portugal não é excepção. Qualquer dia haveria de se fazer em Portugal algo como o que AC Medias faz para a imprensa francesa. É bastante elucidativo.

Enfim, estamos presente uma peça jornalística no mínimo tão alinhada politicamente como a minha. Mas, eu digo logo que a imparcialidade e objectividade absolutas são inexistentes pelo que, elas também não existem no jornalistas, por muito que eles afirmem o contrário.

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