Descredibilização

O nosso presidente anda sempre a falar de credibilização da política e dos políticos. Mas o modo como está a tratar a dissolução da Assembleia da República é tudo menos credibilizadora do sistema político-partidário. E porquê?

Porque o presidente decidiu dissolver a Assembleia primeiro e só depois ouvir os partidos nela representados e o Conselho de Estado, ao contrário do disposto na Constituição [Artigo 133º alínea e)]. Ou seja, a consulta aos partidos e a audição do Conselho de Estado é uma verdadeira proforma porque estas consultas já não têm qualquer sentido, pois vão ser confrontados com uma decisão tomada a priori.

Mais, digo, se fosse conselheiro de Estado, não punha lá os pés. Ir fazer apenas de ouvinte e não de conselheiro é limitar a zero as competências do Conselho de Estado. E lembre-se que uma das competências deste Conselho [artigo 145º alínea a)] é a de pronunciar-se sobre a dissolução da Assembleia da República. Se o presidente já decidiu o que é que os conselheiros vão lá fazer?

O presidente está apenas a respeitar formalmente, mas não na prática, o que diz a Constituição, mostrando assim que o presidente desprezou a Constituição que jurou respeitar.

E é claro que o presidente não quer é que o actual primeiro-ministro governe, pois em situações de muito maior crise, com poderes presidenciais um pouco mais largos, Eanes, deu hipótese à assembleia saída das eleições de 1976, depois da queda do 1.º governo constitucional de Màrio Soares, arranjar uma solução entre os partidos nela representados, tendo saído o 2.º governo constitucional de coligação PS-CDS. Ora, neste caso, até existe uma maioria parlamentar ao contrário desse tempo.

Por isso o presidente não demitiu o governo, pois poderia ter que começar os trâmites que levassem a uma solução dentro do quadro da actual Assembleia da República. Mas isso é uma coisa que o presidente não queria. Para evitar um confronto com a maioria, o presidente decidiu, e mal, assim.

Por outro lado, parece-me, o presidente não queria sair do cargo sem se reconciliar com a sua família política, depois da decisão tomada há quatro meses atrás que quase o excomungaram dela. Mas o presidente deveria ser de todos os portugueses, não do "povo de esquerda". O presidente esqueceu-se disso...

Enfim, para trapalhada constitucional não está mal.

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