Os idos de Março

Segundo nos diz a História, foi a 15 de Março de 44 a.C., que C. Iulius Caesar, mais conhecido em português como Gaio Júlio César, foi assassinado no Senado Romano. Grande general e político de Roma, mas também um bom escritor, o seu De bello gallico (A guerra da Gália) é um clássico da literatura latina, tinha uma ambição de poder desmedida que chocou com aqueles que ainda sonhavam com uma República oligárquica.

Cícero no seu tratado De Re publica, escrito em 51 a.C., tinha escrito, a propósito do sistema político, o seguinte:

Passados então esses duzentos e quarenta anos de realeza (ou um pouco mais, com os interregnos), de depois da expulsão de Tarquínio, foi tal o ódio que o povo romano tomou ao título de rei, quanto a saudade que sentira depois da morte, ou melhor, da partida de Rómulo. De tal modo que, tal como então não poderia estar privado de um rei, após a expulsão de Tarquínio, não podia ouvir o nome de rei.
(A República II.30.52, trad. de Maria Helena da Rocha Pereira)

De facto, para os partidários das república a ideia de um só homem governar, à sua discrição, a cidade de Roma era absolutamente repugnável. Mas César, cabeça de fila dos popolares, no fim da guerra civil, no fim da guerra civil que o opôs ao Senado, cujo exército tinha como general Pompeu, tinha acumulado tanto poder que faziam dele o chefe incontestado de Roma, com um poder até aí pouco visto (apesar de, entre 82-79 a.C., Sula ter exercido o poder de um modo monárquico), mas mantendo a fachada republicana do Estado. Mas depois das convulsões da década anterior e da guerra civil acabada pouco antes, fez com que alguns republicanos, chefiados por Bruto e Cássio, decidissem avançar. Assim chegamos aos idos de Março.

A história já a sabemos. Na sequência da guerra, o exército senatorial é derrotado e os seus principais chefes mortos. Do triunvirato formado (Octávio, Marco António, Lépido), depois do afastamento de Lépido, Octávio e António disputam o Império e, com a vitória de Octávio, morre definitivamente a República. Começa o principado, embora mantendo a ficção do estado republicano.

Bem podiam os republicanos pensar que o povo romano nunca mais aceitaria um rei, mas, nem uma geração depois, Roma tinha, mesmo que não usasse o nome, um governante quase absoluto. O curso da História nem sempre é linear.

Talvez por isso, tivessem razão os Antigos que tinham uma concepção circular do tempo, muito bem expresso pelo Eclesiastes (ou Qohélet):

Aquilo que foi é aquilo que será;
aquilo que foi feito, há-de voltar a fazer-se:
E nada há de novo debaixo do Sol!
Se de alguma coisa alguém diz:
«Eis aí algo de novo!»,
ela já existia nas eras que nos precederam.
Eclesiastes, 1, 9-10 (Nova Bíblia dos Capuchinhos)

Por isso, na Antiguidade o tempo era marcado pela ascensão e quedas dos impérios, havendo sempre a ideia de um eterno retorno. O cristianismo, ou num sentido mais largo, a herança judaico-cristã, vem instaurar uma linearidade na concepção do tempo, com a espera da vinda do Messias. Com a entrada da Idade Moderna, a concepção de tempo ganha, definitivamente, no Ocidente, as características de linearidade e progresso, entre outras, mesmo se secularizando a História da Salvação judeo-cristã.

Esta concepção linear talvez nos impeça há vezes de ver que as regressões no, digamos assim, progresso, da humanidade, são possíveis.

Deste modo, talvez seja útil olhar para História, para compreendermos mais facilmente de que não devemos dar por adquiridas as liberdades e democracia que temos actualmente. Ao contrário de que pensavam tanto os positivistas como marxistas, a história da Humanidade não é um marcha inexorável em relação ao progresso. A História ainda nos pode pregar muitas partidas.

Comentários

Anónimo disse…
Como tem razão, caro Rui.
E olhe que há cada partida!
Marco Oliveira disse…
Rui,
Eu diria que a História nos mostra várias vezes os mesmos episódios com diferentes protagonistas.
As civilizações, por exemplo, parecem todas seguir um mesmo ciclo: germinam, crescem, florescem, decaem e morrem.

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