Uma análise de discurso de um caso concreto
Recentemente comprei um livro intitulado Da Língua e do Discurso, org. por Fátima Oliveira e Isabel Margarida Duarte. Este livro é resultante de um colóquio de linguistas em homenagem ao Prof. Joaquim Fonseca. Este professor foi o primeiro, na FLUP, já em pleno 3.º ano, a fazer-me gostar de linguística (a culpa não será propriamente dos professores dos 1.º e 2.º anos, os programas é que não ajudavam muito e, de qualquer modo, deram base fundamentais). Depois de estruturalismos e gramáticas generativas, depois de Saussure, Jakobson ou Chomsky, depois fonética, fonologia, morfologia, etc... foi bom estudar uma linguística que abordasse também o discurso (não vou agora discorrer sobre definição deste...).
Entre as 31 comunicações que compõem o livro houve uma, a de Isabel Margarida Duarte (docente na FLUP), que me chamou a atenção. A comunicação tem o título "A citação no discurso de imprensa: uma «amostra» do caso moderna" e deveria ser lido por todos os aspirantes a jornalistas e mesmos por os actuais jornalistas. A comunicação analisa em concreto um texto (uma "notícia") publicado no jornal Público, em 17 de Março de 2003, assinado por Isabel Braga e intitulava-se "A mais amnésica das testemunhas da Moderna".
Logo na introdução, Isabel Margarida Duarte diz o seguinte (destaques meus):
Como conclusão, Isabel Margarida Duarte refere o seguinte (destaques meus):
Entre as 31 comunicações que compõem o livro houve uma, a de Isabel Margarida Duarte (docente na FLUP), que me chamou a atenção. A comunicação tem o título "A citação no discurso de imprensa: uma «amostra» do caso moderna" e deveria ser lido por todos os aspirantes a jornalistas e mesmos por os actuais jornalistas. A comunicação analisa em concreto um texto (uma "notícia") publicado no jornal Público, em 17 de Março de 2003, assinado por Isabel Braga e intitulava-se "A mais amnésica das testemunhas da Moderna".
Logo na introdução, Isabel Margarida Duarte diz o seguinte (destaques meus):
Tentarei mostrar [...] de que modo o jogo das citações num texto de imprensa releva, sobretudo, das intenções comunicativas do autor do texto, isto é, de que modo consiste numa estratégia argumentativa ao seu dispor. A orientação argumentativa, a actividade avaliativa do locutor citador (L1) é visível na forma como cita ourelata palavras do locutor citado (L2). Ao citar, o jornalista está frequentemente a levar a cabo uma imposição subreptícia de avaliações. Mesmo quando, na aparência, é discreta, a voz do discurso citador faz-se ouvir, mais ou menos indirectamente.No desenvolvimento da comunicação, a autora vai desmonstrar como a jornalista vai tentar descredibilizar a testemunha (o artigo é sobre o depoimento de Jorge de Sá durante o julgamento do caso Moderna) através de vários processos (em que a citação é uma delas), ao mesmo tempo que finge objectividade (através dessa mesma citação das palavras da testemunha). Como diz a autora, o uso da citação serve para (destaques meus):
... fingir que a palavra é o espelho da realidade, que existe objectividade total, quando, como sabemos, estamos perante uma construção fictiva da realidade. A objectividade dos fragmentos citados em directo é aparente, uma vez que a selecção das citações e a respectiva inserção no texto citador revelam a atitude e a subjectividade do jornalista.Os exemplos acumulam-se, como por exemplo o modo como a jornalista caracteriza Jorge de Sá, com um perfil profissional que chama atenção para os seus cargos na Dinensino, confrontado-o com o seu depoimento, em que alega nada saber. O tipo de verbos que utilizados e comentários valorativos (do género "ainda mais amnésica do que as outras [...], o que não é dizer pouco") também contribuem para essa descredibilização. Outros processos que criam uma aparente objectividade são também analisados.
Como conclusão, Isabel Margarida Duarte refere o seguinte (destaques meus):
A utilização de mecanismos de autentificação ou de aparente objectividade por parte do jornalista, como é o caso da citação em DD [discurso directo], ou de outro qualquer modo de relato de palavras do locutor citado, talvez faça parte da cultura jornalística, da necessidade que o jornalista tem de se defender por trás das palavras dos outros, parecendo estar a ser objectivo. Mas relatar palavras dos outros pode ter muitas intenções além desta. Aquela de que dei conta, neste texto, é a que consiste em mostrar, através das palavras do locutor citado, como esse locutor é completamente indigno do nosso crédito. E no "nosso", incluem, cumplicemente, L1, o jornalista e os leitores do jornal, cuja apreciação ética, se o texto do primeiro foi eficaz, argumentativamente, não pode deixar de ser coincidente.. Um texto muito interessante de análise de um texto jornalístico com que muita gente seria capaz de aprender algo e a ler as notícias de outra maneira. Recomendo a sua leitura integral.
Em resumo, o relato de discurso está ao dispor, nos textos de imprensa como nos de ficção, da intencionalidade comunicativa e argumentativa do relator.
[...]O relato de discurso consiste pois, não numa forma de tornar objectiva e real uma narrativa (jornalística ou literária), mas, pelo contrário, numa forma de fingir que ela é objectiva e real, ou seja, num modo de, criando instrumentos de verosimilhança, a ficcionalizar
Comentários