Disparates mediáticos...

Hoje, durante todo o dia ouvi um grande disparate, repetido ad nauseam pelas televisões e não só: O Vaticano tinha criado mais três pecados.

O disparate repercutiu-se depois pela Internet, p. ex. o Diário Digital intitula a notícia desta forma: Vaticano actualiza lista dos pecados modernos.

Ora, só pode dizer isto, ou andar a espalhar isso, quem nada percebe do assunto. Primeiro, o cardeal Francis Stafford não é o Vaticano, e apesar das suas altas funções, não pode falar pelo Vaticano. Segundo, o modo como foi transmitida a mensagem: foi durante uma homilia. Não é, obviamente, qualquer tipo de documento oficial vindo do Vaticano, aprovado pelo Papa. É apenas uma reflexão de um cardeal sobre o sacramento da confissão (ou da penitência).

E a afirmação tão glosada, até à exaustão, pela imprensa tem um contexto. Por isso, talvez não fosse mal que os jornalistas antes de escreverem disparates lessem os documentos os textos completos antes de macaquearem as notícias. Por isso, nada melhor do que ir ler o texto da homilia. Ela pode ser encontrada na agência Zenit, com link directos em italiano e em inglês.

Na segunda parte da sua homilia, o cardeal faz uma espécie de formulário para um exame de consciência de modo que o cristão se prepare para o sacramento da confissão:
Nell’esortare a un esame di coscienza, la Chiesa suggerisce come ausilio il Discorso della Montagna. Le parole di Gesù sono il testo rappresentativo della nuova legge. La Croce è l’immagine speculare del Discorso. Il corpo straziato di Gesù è la luce che non è stata sconfitta dalle tenebre. L’oscurità del peccato non potrà mai sopprimere la luce della misericordia divina. I penitenti si lasciano l’oscurità alle spalle grazie a una confessione sincera dei peccati. Affinché approfondiate la vostra compunzione vi propongo il seguente esame.

► Abbandono l’orgoglio, l’invidia e l’ambizione e seguo il cammino di umiltà di Gesù? La scelta fra orgoglio e umiltà è resa concreta dal mio atteggiamento nei confronti delle Scritture? Sono docile e aperto alla Parola di Dio? Sono pronto a farmi giudicare da essa invece di giudicarla io? Trascorro una quantità di tempo sproporzionata leggendo quotidiani e giornali, guardando la televisione e utilizzando Internet in confronto al tempo che investo nella meditazione e nella lettura delle Sacre Scritture?
Até posso concordar que os exemplos não são demasiado felizes, mas há aqui alguma coisa que diga que ler jornais, ver televisão ou navegar na Internet é pecado?

Aliás, saberão os jornalistas de que é que falam quando falam de pecado?

Além do mais, nem sequer, das palavras de Francis Stafford, se pode inferir que o passar muitas horas a ler jornais, ver televisão ou navegar na Internet é pecado. O Cardeal em entrevista à TVNET explicou o sentido das suas palavras. Mas, será que precisava? É que a leitura da homília é muito clara. Não há aqui numa publicação de uma listagem do que se pode fazer ou não.

Enfim, no fundo, foi "tomar a nuvem por Juno" e claro está, aproveitar para denegrir um pouco mais a Igreja Católica.

Post Scriptum. Parece que tudo foi originado por uma notícia da Agência Ecclesia de ontem. Não encontrei o link para essa notícia. Todavia, hoje, encontrei esta notícia: Pecados novos e antigos em que se diz:
Como a Agência ECCLESIA noticiou na altura, durante a cerimónia foi apresentado um longo elenco de perguntas para responder, em exame de consciência, antes de aproximar-se ao sacramento da Reconciliação, colocando em causa pecados “velhos e novos”. Entre essas perguntas estava uma relativa ao uso do tempo, comparando o investimento nos “media” com o que se faz para “meditar e ler a Sagrada Escritura” – prática que a Igreja recomenda, mesmo para cumprir os preceitos penitenciais próprios da Quaresma e da Semana Santa.
O texto falava numa “quantidade de tempo desproporcionada” (podendo configurar uma dependência), ocupada pelas actividades referidas, e convidava cada fiel a fazer o seu juízo a este respeito. De facto, na tradição da Igreja, o exame de consciência é um exercício espiritual que, à maneira de revisão de vida, recorda os actos bons e os maus, para agradecer a Deus os primeiros e lhe pedir perdão pelos segundos - mais que inventariar pecados, tem por objectivo progredir na santidade de vida.
Como não tenho, na verdade, o texto original não sei se as conclusões dos jornalistas eram justas ou não, mas parece provável, pela transcrição parcial da sua própria notícia anterior, que de algum modo a Ecclesia "meteu água". No entanto, quando ouvi a notícia de manhã na SIC-N, achei-a demasiado estranha e sabia que havia ali qualquer coisa que estava mal e, por isso, procurei um pouco mais, quando tive tempo. É que, apesar dos poucos dados da notícia, não me parecia nada que o Vaticano tivesse declarado uma lista com "novos pecados". Os jornalistas talvez pudessem ter feito um pouco melhor mas, é claro que a verdade já não era tão picante e por isso perdia-se todo o interesse.

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