Bento XVI e o Islão

Muito se tem falado da visita do Papa à Baviera, sobretudo pela ideia passada por alguma imprensa, certamente com problemas de literacia, que o Papa teria dito que "a teoria da evolução é irracional". Obviamente que a leitura da homília da missa em Ratisbona (disponível no sítio do Vaticano) esclarece definitivamente quem souber ler (e não for preguiçoso intelectual, que é o que acontece com muitos dos nossos jornalistas - parecem tradutores do que vem nas agências). Mas não é disso que quero agora falar, pois esse assunto foi já abordado aqui e aqui ou ainda aqui.

No mesmo dia, mas na Aula Magna da Universidade de Ratisbona, onde o Papa deu aulas de teologia nos anos 70, o Papa, não tão veladamente como isso, fala da Jihad (ou guerra santa), bem como de maomé, utilizando para isso as palavras do Manuel II Paleólogo, imperador do Oriente entre 1391 e 1425 (e antepenúltimo imperador de Constantinopla) numa conversa que este teve com um persa sobre o Cristianismo e o Islão (destaque meu).
Nel settimo colloquio (διάλεξις – controversia) edito dal prof. Khoury, l'imperatore tocca il tema della jihād, della guerra santa. Sicuramente l'imperatore sapeva che nella sura 2, 256 si legge: "Nessuna costrizione nelle cose di fede". È una delle sure del periodo iniziale, dicono gli esperti, in cui Maometto stesso era ancora senza potere e minacciato. Ma, naturalmente, l'imperatore conosceva anche le disposizioni, sviluppate successivamente e fissate nel Corano, circa la guerra santa. Senza soffermarsi sui particolari, come la differenza di trattamento tra coloro che possiedono il "Libro" e gli "increduli", egli, in modo sorprendentemente brusco che ci stupisce, si rivolge al suo interlocutore semplicemente con la domanda centrale sul rapporto tra religione e violenza in genere, dicendo: "Mostrami pure ciò che Maometto ha portato di nuovo, e vi troverai soltanto delle cose cattive e disumane, come la sua direttiva di diffondere per mezzo della spada la fede che egli predicava". L'imperatore, dopo essersi pronunciato in modo così pesante, spiega poi minuziosamente le ragioni per cui la diffusione della fede mediante la violenza è cosa irragionevole. La violenza è in contrasto con la natura di Dio e la natura dell'anima. "Dio non si compiace del sangue - egli dice -, non agire secondo ragione, „σὺν λόγω”, è contrario alla natura di Dio.
Esta frase que destaquei provocou alguma comoção em países islâmicos e também em algumas comunidades islâmicas europeias que reagiram, como de costume (cf. o caso das caricaturas), como púdicas virgens ofendidas. É o que podemos verificar, por exemplo aqui, aqui ou ainda aqui.

Lá vêm as habituais acusações sobre cruzadas (esquecendo-se que estas foram uma resposta, até bastante tardia, à agressão iniciada pelos muçulmanos contra os territórios cristãos), a Inquisição, a suposta aliança entre a Igreja e o Nazismo (no entanto que viveu como convidado de Hitler em Berlim foi o Mufti de Jerusalém) ou ainda as recorrentes exigências de um pedido de desculpas, etc., etc., etc.

É claro que a Inquisição aconteceu e que se matou muito em nome de Deus, mas quem for intelectualmente honesto, sabe que em nenhuma parte do Novo Testamento se faz a apologia de propagação da Fé através da espada e da força. Quem tiver dúvida que leia, por exemplo, Mt 10, 1-42. A expansão do Cristianismo no Império Romano fez-se muito à custa de numerosos mártires, não através da conquista.

Não querendo de modo algum fazer uma análise do que é a Jihad, não é difícil, para quem sabe um pouco de história, que a expansão do Islão se fez pela espada e pela conquista. Maomé e os seus sucessores iniciaram uma série de guerras contra os árabes pagãos, judeus, cristãos ou zoroastrianos, tendo convertido numerosos povos à força.

Enquanto esteve em Meca, numa posição relativamente frágil (tal como diz o Papa), podemos encontrar no Alcorão versículos como aquele que o Papa cita (Alcorão 2.256) que, na tradução portuguesa de que disponho (Europa-América, Parte 1, 2.ª ed.), diz o seguinte (p. 53):
2.256. Não há constrangimento na religião! A rectidão distingue-se da aberração. Quem se afasta do Demónio e crê em Deus, pegou a asa mais forte, sem fenda. Deus tudo ouve, é omnisciente.
Como a situação de Maomé se tornasse insustentável em Meca, fugiu para Medina (16 de Julho de 622, Hégira) onde, e agora passo a citar o "Mourre, Dicionário de História Universal" (Círculo de Leitores, Vol. II, p. 890):
... organizou a comunidade apostólica dos primeiros muçulmanos. Perante a reticência dos judeus de Medina em ouvir a nova palavra, qualificada de falsificação das Escrituras, Maomé substituiu a persuasão pela força, exterminou as comunidades recalcintrantes e ordenou, em 624, que se orientasse a oração já não para Jerusalém mas para Meca, cuja conquista se tornou um objectivo essencial, o da «guerra santa».
É deste período em Medina que saem os versículos que incitam os seus ao combate, havendo centenas de exemplos:
2.216: Prescreve-se-vos o combate, ainda que vos seja odioso. É possível que abomineis qualquer coisa que para vós seja um bem e é possível que prezeis qualquer coisa que para vós seja um mal. Deus sabe, enquanto vós não sabeis.

8.39: Combatei-os até que não exista tentação e seja a religião toda de Deus! Se abandonarem a idolatria, serão perdoados, pois Deus vê o que fazem.

9.5: Terminados que sejam os meses sagrados, matai os idólatras onde os encontrardes. Apanhai-os! Preparai-lhe todas as espécies de emboscadas! Se se arrependem, cumprem a oração e dão esmolas, deixai livre o seu caminho. Deus é indulgente e misercordioso.

9.29: Combatei os que não crêem em Deus nem no Último Dia nem proíbem o que Deus e o Seu Enviado proíbem, os que não praticam a religião da verdade entre aqueles a quem foi dado o Livro! Combatei-os até que paguem o tributo por sua própria mão e sejam humilhados.

9.73: Profeta! Combate os descrentes e os hipócritas! Sê duro para com eles! O seu refúgio será o Inferno. Que péssimo Porvir!

9:123: Ó vós que credes! Combatei, entre os incrédulos, aos que vos rodeiam! Encontrem em vós a dureza! Sabei que Deus está com os piedosos.

33.60: Realmente, se os hipócritas, os que têm em seu coração uma enfermidade e os alarmistas de Medina, não cessam na sua reticência, incitar-te-emos contra eles para que os castigues. Em seguida, não serão teus concidadãos a não ser por pouco tempo.

33.61: Malditos serão onde quer que se encontrem. Serão apanhados e mortos sem piedade,

33.62: segundo o costume de Deus para com aqueles que os precederam. Não acharás modificação no costume de Deus.
Não faltariam outros exemplos para demonstrar que é no próprio Alcorão que os islamitas encontram justificação para os seus ataques terroristas e para o apelo recente que a Al-Qaeda fez para a conversão da América ao Islão.

Tal como os muçulmanos (e não só) estão sempre a atirar à cara dos cristãos as cruzadas (eesquecendo-se do seu contexto), a Inquisição ou a suposta colaboração com o nazismo, por que não aceitam eles ser criticados? Eu sei bem que aquilo que se critica nos exemplos que dei aos cristãos não está nos seus livros (em lado algum Cristo diz para converter as pessoas à força), ao contrário do que se passa com os muçulmanos que foram, indirectamente, criticados pelo Papa, mesmo se, como refere o porta-voz do Vaticano, o Islão não era o principal visado, sendo que o "central point of the Pope's presentation at the university [...] was that the tendency to dismiss religious attitudes and arguments is a serious flaw in Western thought today." É no Alcorão que se encontram todos estes exemplos de submissão pela força ao islão.

É claro que, quem ler toda a homília, e esta questão da Jihad era apenas um ponto de partida da reflexão de Bento XVI, em que ele procura explicar a relação entre a razão e a fé e que, valendo novamente das palavras de Manuel II Paleólogo: "Non agire secondo ragione, non agire con il logos, è contrario alla natura di Dio".

Os muçulmanos não podem, por outro lado, ficar ofendidos por o Papa por ele ter uma visão diferente de Deus e de Maomé. Afinal o Papa é católico, não é muçulmano, pelo que terá, forçasamente, uma outra opinião sobre o que Maomé fez na Terra.

Que reflexos vai ter este episódio nas relações entre a Igreja Católica e o Islão e, já brevemente, na visita que o Papa vai efectuar à Turquia, não sei. Mas, este discurso de Bento XVI é no mínimo encorajador e alimenta a esperança de que a Igreja Católica tome posições mais firmes (mas sem hostilidade gratuita) em relação ao Islão.

Post scriptum. Para quem quiser ler um texto muito interessante sobre a tolerância e Islão pode carregar aqui.


Comentários

Marco Oliveira disse…
Um teólogo sudanês considerva que as palvras do Profeta reveladas eram contextuais (fruto de uma situação específica) e por esse motivo não podiam ter aplicação universal. Chamava-se Muhammad Taha e foi enforcado pelo regime devido às suas ideias progressistas.

O que parece óbvio é que as palavras de Bento 16 estão a ser distorcidas e descontextualizadas. Quem está a denegrir o Islão são os muçulmanos fanáticos com as suas reacções injustificadas.

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